Assessoria | PJC-MT
Delegada aposentada Miedir Santana
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A delegada aposentada, Miedir Santana da Silva, foi a primeira delegada da Delegacia da Mulher de Cuiabá, também considerada pioneira nas ações de enfrentamento à violência doméstica no Estado de Mato Grosso. Ela foi uma das convidadas especial do curso de aprimoramento na aplicação da Lei Maria da Penha, ocorrido na sexta-feira (08) na Academia da Polícia Judiciária Civil, em Cuiabá.
A delegada que se aposentou há 20 anos contou um pouco de sua experiência como delegada de uma unidade recém-criada, em que ainda não havia a lei Maria da Penha e nem segmento organizado em defesas das vítimas que chegavam todos dos desesperadas na unidade pedindo ajuda, após sucessivas agressões físicas de seus companheiros ou namorados.
“Em 1985 foi convidada pelo Travassos (então secretário de segurança) para implantar a delegacia da mulher, levei um susto muito grande porque não conhecia nada e daí já entrei em contato com São Paulo, com o Conselho Feminino para saber o que pretendiam, o que iam fazer e comecei por instinto. O primeiro dia na inauguração da Delegacia, que era na feirinha da mandioca, tinha uma fila de mulheres com orelha descolada, pedaço de língua na mão, hematomas. Já tive naquele momento tive que tomar algumas providências”, contou.
Miedir Santana também foi a primeira mulher delegada da Delegacia de Menores, atual Delegacia Especializada do Adolescente, unidade a qual aprendeu a lidar com adolescentes infratores, pais e mães. “Fiquei 9 anos na Delegacia de Menores, e ali me deu um aprendizado muito grande”, afirmou.
Já na Delegacia da Mulher, com quase nada de estrutura, colocou o próprio carro para levar às vítimas ao Instituto de Medicina Legal (IML), uma vez que as mulheres que batiam a porta da unidade não tinham condições financeiras e ela necessitava do laudo pericial para dar encaminhamento dos procedimentos na delegacia.
“Comecei a pegar meu carro, ligar para os médicos e falar: ‘espera aí que estou levando mais uma leva para fazer os exames’”.
Com dois meses, lembra a Miedir, a Delegacia já tinha um público grande. “Todo mundo me procurava porque achava que eu resolvia. Passei por situações muito delicadas. O primeiro homem que chegou na delegacia olhou para mim e disse: “você que mandou me intimar, além de mulher, negra”. Ele já ia sair, peguei e disse a ele: se você der um passo te derrubo na bala do meu revólver”, recorda.
Para a delegada aposentada, a confiança das mulheres no trabalho da polícia foi muito importante para que ela aprimorasse seu conhecimento visando o acolhimento das mulheres dentro da instituição policial e também no tratamento voltado à família.
“Quando voltei para a delegacia, depois de ser diretora do departamento de Polícia Técnica, acho que fiz um trabalho melhor, porque não via o homem não só como um potencial agressor, via ele com seus defeitos, virtudes e qualidade, comecei a conversar com o homem a e mulher juntos, vários casos ali eu consegui a reconciliação. Acredito que a Delegacia com esse número tão grande de feminicídios está precisando de alguma reforma, modificar esse atendimento. Me lembro que um homem ia matar uma mulher e ele me disse: eu vou matar, e eu falei a ele: você vai perder, você vai ser preso, mas ele disse: mas eu vou matar. Eu não sabia o que fazer, recorri ao juiz pedindo orientação e naquela época o juiz me disse que juiz não orienta, juiz decide”.
A delegada recorda que saiu da sala do juiz e decidiu indiciar o agressor, após deixá-lo três dias preso.Ela temia sofrer alguma ação de abuso de autoridade, pelo desentendimento com a autoridade do Judiciário. “Naquela época era BIC e o dedo dele ficou sujo, e quando ele saiu para conversar comigo, peguei um pano molhado e comecei a limpar os dedos dele. Disse: ta vendo, você está marcado, sua vida vai piorar, você quer matar uma mulher que não te ama mais (…) e comecei a limpar os dedos dele e ele olhou para mim, com muito carinho, disse não vou mais matar ela”.
Após alguns dias, o mesmo homem encaminhou flores e bilhete a delegada com a seguinte mensagem: “sua simplicidade me fez entender meu erro”. O papel ela guarda até hoje como um troféu de uma vida salva.
A delegada trabalhou para a fundação da Casa de Amparo às vítimas de violência doméstica e acredita que não somente as mulheres merecem acolhimento digno, mas também os agressores, em ambiente que os façam refletir, que tenham oportunidade de fazer cursos e trabalhar.
“Devíamos arrumar também um local para esses homens que a gente sabe que são violentos, para que eles possam trabalhar e depois de alguns meses, aí sim, soltar, não precisa ser cadeia. Eu tinha esse cuidado, quando eu acompanha um caso eu ia no serviço dele, falava com o patrão desse homem. Acho que hoje temos condições de fazer isso porque temos Polícia Civil, Ministério Público, Poder Judiciário, e muitas outras equipes psicossociais que podem dar uma assistência”, finaliza.
A Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de Cuiabá foi criada por meio da Lei 4.965 de 26 de dezembro de 1985. A unidade foi uma das primeiras no Brasil e significou das experiências pioneiras na implementação de uma política pública de combate à violência contra as mulheres no País.